Memórias da Pequena África
Esta exposição parte do princípio de que a arte pública tem responsabilidade pedagógica e política. Em uma sociedade marcada pelo racismo e pelo apagamento sistemático das contribuições africanas e afro-brasileiras, tornar visível esta história nos espaços cotidianos é um ato de reparação simbólica e de justiça cognitiva.
Os painéis não são meros elementos decorativos. São ferramentas de educação patrimonial que dialogam com os milhares de usuários do terminal — muitos deles afrodescendentes, moradores de periferias, trabalhadores que sustentam a cidade. Para estas pessoas, ver sua ancestralidade celebrada em um espaço público é experimentar o reconhecimento de sua humanidade integral, de sua história não apenas de sofrimento, mas também de resistência, criatividade e alegria.
Curadoria e concepção: Marco Antonio Teobaldo Artista convidado: Luciano Cian
11 de novembro a 14 de dezembro de 2025
Terminal Gentileza – Rio de Janeiro (RJ)
Raízes da Matriz Africana
Antes da diáspora forçada, o continente africano abrigava civilizações sofisticadas, reinos prósperos e culturas milenares de extraordinária riqueza. Os grandes impérios do Mali, Songhai e Ghana no Oeste africano; os reinos do Congo e Angola na região Centro-Oeste; as complexas organizações sociais dos povos bantos, iorubás, jejes e hauçás — todos desenvolveram sistemas políticos elaborados, tecnologias avançadas em metalurgia e agricultura, filosofias profundas e expressões artísticas refinadas.
Esta ancestralidade vai muito além do passado distante. É a matriz cultural que os africanos trouxeram consigo em seus corpos e mentes, mesmo nas condições mais violentas e adversas da escravidão. É o alicerce sobre o qual se ergueu grande parte do que hoje é reconhecido como cultura brasileira.
Resistência e Recriação
Apresenta o encontro da violência do sistema escravista, mas recusa-se a ver os africanos e seus descendentes apenas como vítimas. Aqui, são evidenciadas as múltiplas estratégias de resistência que transformaram a dor em força criativa: a preservação das línguas, religiões e tradições; a criação de irmandades e terreiros; a formação de quilombos urbanos; as revoltas e insurreições; e, sobretudo, a extraordinária capacidade de recriar identidades e práticas culturais em território estrangeiro.
O Cais do Valongo, maior mercado de escravizados das Américas, foi também ponto de partida para redes de solidariedade que se estenderam pelos bairros da Gamboa, Saúde e Santo Cristo. Nestes territórios, africanos de diferentes etnias se encontraram, compartilharam saberes e construíram pontes entre suas culturas de origem e a realidade brutal que enfrentavam.
Florescimento na Pequena África
Aqui se celebra o florescimento cultural que transformou a região portuária no berço de manifestações artísticas fundamentais para a identidade brasileira. Aqui, nos terreiros, nas casas das tias baianas, no Consulado Baiano de Iyá Davina de Omolu, nas rodas de samba da Pequena África, nasceu o samba carioca — síntese genial entre as matrizes africanas e as experiências urbanas do Rio de Janeiro.
Pixinguinha, João da Baiana, Donga, Hilário Jovino, Gentil Marinho e tantos outros mestres não apenas criaram uma nova música: inventaram formas de ser brasileiro, de habitar a cidade, de transformar a margem em centro criativo. O samba, os ranchos carnavalescos, os blocos, as festas — todas estas manifestações carregam em si a memória ancestral africana recriada em chave brasileira.