“No meio deste espaço (de 50 braças) havia um monte de terra da qual, aqui e acolá, saíam restos de cadáveres descobertos pela chuva”.
G. W. Freireyss (descrição do local feita pelo viajante alemão que foi testemunha ocular do cemitério).
“O cemitério destinava-se ao sepultamento dos pretos novos, isto é, dos escravos que morriam após a entrada dos navios na Baía de Guanabara ou imediatamente depois do desembarque, antes de serem vendidos. Ele funcionou de 1772 a 1830, no Valongo, faixa do litoral carioca que ia da Prainha à Gamboa.
Funcionara antes no Largo de Santa Rita, em plena cidade, próximo de onde também se localizava o mercado de escravos recém-chegados. O vice-rei, marquês do Lavradio, diante dos enormes inconvenientes da localização inicial, ordenou que mercado e cemitério fossem transferidos para o Valongo, área então localizada fora dos limites da cidade.
O Valongo entrou, então, para a história da cidade como um local de horrores. Nele, os escravos que sobreviviam à viagem transatlântica recebiam o passaporte para a senzala. Os que não sobreviviam tinham seus corpos submetidos a enterro degradante. Para todos, era o cenário tétrico do comércio de carne humana.”
José Murilo de Carvalho, para o prefácio do livro “À flor da terra: o cemitério dos pretos novos no Rio de Janeiro”, de Júlio Cesar Medeiros da Silva Pereira.
Leia mais:
“As duas evidências: as implicações acerca da redescoberta do Cemitério dos Pretos Novos” – Júlio Cesar Medeiros da Silva Pereira
As investigações arqueológicas
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2010 a 2012 – Pesquisa de delimitação espacial do cemitério
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2014 – Pesquisa arqueológica na Rua Pedro Ernesto (obras do VLT)
JOSEFINA BAKHITA
As análises iniciais da última pesquisa arqueológica apontam que o corpo encontrado no sítio arqueológico, pertencia a uma jovem africana capturada e sequestrada para ser comercializada no mercado da escravidão, no Rio de Janeiro, mas não resistiu aos maus tratos. A equipe de Arqueologia batizou o achado de Bakhita (bem-aventurada, em dialeto núbio – Sudão). O nome foi dado em homenagem à padroeira dos sequestrados e escravizados, Santa Josefina Bakhita, a primeira santa africana, canonizada em 2000 pelo Papa João Paulo II.
Após seis meses de escavação sistemática, vários contextos arqueológicos foram identificados: desde quebras propositais e destruições de ossos, através do uso de cremação de partes de cadáveres, a dispersão de ossos no subsolo e, finalmente no dia 26 de abril de 2017 encontramos um conjunto de mandíbula e maxilares aparentemente íntegros com vértebras cervicais associadas e visíveis. Que posteriormente viriam a revelar o esqueleto inteiro.
O achado de Bakhita é extremamente importante por motivos científicos e sociais. Apesar de frágil, o esqueleto pode revelar condições de saúde e stress físico que essa jovem africana foi submetida em sua curta vida. Pela primeira vez poderá se dar voz a um Preto Novo, neste caso, a uma jovem preta nova e entender melhor as condições degradantes que os cativos africanos foram submetidos no Brasil dos séculos XVIII e XIX. Enfim, Bakhita poderá ter parte da sua história contada, através dela mesma, graças aos avanços da Ciência.
A pesquisa é coordenada pelo Arqueólogo e professor de História Reinaldo Bernardes Tavares (Museu Nacional – UFRJ / IPN) e tem como um dos pontos centrais entender quais foram os impactos que as construções de casas unifamiliares, construídas na segunda metade do século XIX, que ainda estão sobre o sítio arqueológico. A pesquisa também procura entender como era a prática das inumações (enterros) no Cemitério dos Pretos Novos e das condições de trabalho dos escravos encarregados desse ofício.
OUTROS CEMITÉRIOS
Cemitério de Santa Rita – Rio de Janeiro
Curiosamente não há nenhum destaque para a existência de um Cemitério de Pretos Novos no entorno daquela igreja, até 1769, quando foi transferido para onde se localiza atualmente o sítio arqueológico do Cemitério dos Pretos Novos.
Cemitério da Santa Casa de Misericórdia – Rio de Janeiro
Ao contrário da Santa Casa de Misericórdia de Salvador – Bahia, a Santa Casa do Rio de Janeiro preservou escassa documentação sobre o sepultamento dos africanos escravizados e seus descendentes. Alguns estudos e pesquisas foram realizados a respeito, tentando remontar as condições que aqueles indivíduos eram enterrados.
Cemitério de membros da Irmandade de S. Elesbão e Sta. Efigênia e de escravizados – Rio de Janeiro
Este cemitério existiu de 1745 até 1850, quando o Visconde de Monte-Alegre, então Conselheiro Chefe de Polícia, resolveu suspender os enterros nas igrejas e nos cemitérios contíguos às mesmas. Assim, os escravos passaram a ser sepultados nos cemitérios da Ordem 3.ª de São Francisco de Paula, em Catumbi e no da praia do Caju.
Descoberto em 1981, durante uma escavação no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, ossos humanos apontam para a existência de um antigo cemitério de africanos escravizados na antiga senzala de engenho.
Cemitério de Escravos de Tinguá – Nova Iguaçu
Ruínas do cemitério dos senhores de engenho Nossa Senhora da Piedade, onde da igreja que ali existia resta apenas a torre sineira.
Cemitério de Santa Luzia – Minas Gerais
O bem cultural denominado Cemitério dos Escravos, localiza-se a 7km do Centro Histórico de Santa Luzia, na rua Damásio José Diniz e Silva, área da antiga Sesmaria das Bicas.
Cemitério de Escravos de Nova York – Estados Unidos
Descoberto em 1991, durante uma obra de um edifício, em plena Manhattan – Nova York, este cemitério abrigava africanos e afro-americanos escravizados e libertos. Em 1993, depois de uma batalha entre o movimento negro e pesquisadores, contra os construtores, o local foi declarado Marco Histórico Nacional, onde atualmente se localiza o Memorial aberto para visitação pública.
Cemitério de Escravos Lagos – Portugal
Em 2009, por conta da construção de um estacionamento que seria construído sobre uma lixeira desativada, foram encontrados 150 esqueletos humanos, que posteriormente constatou-se serem de africanos escravizados.